(fotos: Anderson Barbosa)
Movimentos sociais e estudantes compareceram em peso na Faculdade São Francisco da USP e ocuparam a Sala dos Estudantes onde aconteceu o debate Criminalização da Luta Política na Ditadura e na Democracia, realizado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto na terça-feira (15/03), em apoio ao Comitê Lutar Não é Crime.
Na mesa de debates, composta pelo ex ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, pela ex presa política e membro da União de Mulheres de São Paulo, Amelinha Teles, e pelo líder do Movimento e Moradia do Centro (SP), Luiz Gonzada da Silva, o Gegê, predominou a avaliação de que no atual estágio da democracia brasileira permanecem os mecanismos e a lógica de repressão utilizados pelo regime militar. “A cultura e a prática da repressão ainda são da ditadura”, afirma Amelinha.
A ex presa política conta que chegou a esta conclusão na ocasião da audiência de julgamento de uma ação dos famílias dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, na sede da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Costa Rica, em dezembro de 2010. Segundo ela conta, o Estado age como se as famílias dos mortos e desaparecidos fossem suas inimigas. O Estado pediu para que a OEA arquivasse os casos, mas o pedido não foi aceito e o Estado foi condenado. “Lá que me dei conta que o estado brasileiro raciocina não como Estado Democrático de Direito, mas como Estado de exceção”.
Para Gegê, os movimentos sociais não podem recuar na luta pela democracia. “Nós tiramos a ditadura da farda, mas ainda vivemos em uma ditadura branca. Lutamos tanto pelo fim da ditadura e hoje caimos em um certo comodismo. Precisamos retomar a luta pelo fim da ditadura branca”.
Outro consenso foi o de que a democracia brasileira está longe de ser completamente estruturada. A grande promessa não cumprida da democracia é a da igualdade econômica e social, avalia Vannuchi. E a partir disso surgem as resistências, principalmente as lutas rural, pela moradia, dos estudantes e a luta do movimento sindical. O líder do MMC avalia que esta democracia é castradora de Direitos. “Esta democracia não tem compromisso com o povo. Nela algumas pessoas se apropriam da maioria dos bens do país, enquanto veem suas irmãs vendendo o corpo nas esquinas”.
Para Amelinha, qualquer tipo de violência gera movimento de resistência, seja em ditaduras ou na democracia. “A consequência disso é o Estado criminalizando estes movimentos. Essa é nossa história. A história do nosso país é uma história de repressão.”
Parte da democracia não realizada vivida pelo Brasil hoje, avalia o ex ministro, está vinculada com o tipo de transição que houve do regime militar para a chamada democracia. “É necessário que se faça outro tipo de transição. Precisamos fazer o processamento histórico, politico e judicial daquele período. Cabe ao Judiciário decidir pela punição ou não dos crimes. A nossa pressão será sim no sentido de que haja punição como educação de uma nação”.
Para ele, só assim a transição poderá entrar em um outro momento. “A velha elite compreenderá que aqueles que desmandaram, mataram e oprimiram em algum momento foram denunciados e punidos. E se é assim passa a ter um acordo novo em relação às injustiças que, por exemplo, o Gegê recebe”.
Gegê avalia que o compromisso predominante desta Democracia ainda é com as elites. “O compromisso é com o capital, protege a propriedade privada em detrimento do ser humano”.
Vannuchi avalia que as Forças Armadas do Brasil ainda não fizeram a transição básica para uma visão constitucionalista. O ex presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Ministério da Defesa, analisa, mas nunca o ministro foi aceito como chefe dos militares. Para ilustrar, Vannuchi citou o episódio passado no governo Luiz Inácio Lula da Silva. “Os militares fizeram uma nota dizendo que entendem o Ministério como instância de integração administrativa e que os chefes das armas respondem diretamente ao Presidente da República”.
Gegê insiste que os movimentos sociais devem se unir para combater a ditadura branca. “Se não fizermos nada vamos continuar vivendo nisso. “Esta democracia não me serve, não me alimenta enquanto cidadão. Posso até morrer sem gozar dos meus direitos revolucionários e das transformações sociais, mas jamais vou me acovardar.”
Democracia
Apesar de vivermos em uma democracia ainda não totalmente desenvolvida, Vannuchi afirma que é preciso ressaltar que toda a luta contra a ditadura militar valeu a pena. “Conquistamos mudanças sim ou pelo menos construimos vias e caminhos por onde estas mudanças virão. Pão, água e liberdade são ingredientes indispensáveis para os seres humanos”.
O ex ministro retomou o ideário que condensa a Revolução Francesa (1789) - Liberdade, Fraternidade e Igualdade - e seu impacto ao longo da história. A revolução de 1789 foi uma revolução burguesa. “A burguesia liderou o processo de enfrentamento e derrubada da nobreza feudal, quando ainda não havia um proletariado constituído como classe, processo que veio a se consolidar durante todo o século XIX”. Este proletariado rapidamente passou a quetionar tal burguesia revolucionaria vitoriosa. “Passou a exigir Liberdade, Fraternidade e Igualdade também para si, já que Direitos, como de voto, associação, expressão, estavam sendo negados”.
Naquele momento o capitalismo ofereceu ao movimento socialista e operário uma armadilha, avalia Vannuchi. “A armadilha foi a seguinte: vocês (movimento socialista e operário) fiquem com a igualdade que a liberdade é nossa (capitalismo). E parte do movimento foi pega por esta armadilha.”
O discurso da liberdade foi diminuindo no vocabulário revolucionário, segundo Vannuchi. “Porque para nós se tratava de construir a igualdade. Eu estive entre os milhares que defendiam esta tese. Mas a queda do muro de Berlim foi a pá de cal em qualquer construção no sentido de que havendo igualdade qualquer liberdade é dispensável. E não é”.
Neste sentido, para Vannuchi, o desafio para a reconstrução socialista está colocado. “Devemos persistir no projeto socialista pela simples razão de que nenhuma sociedade capitalista será profundamente democrática. Democracia pressupõe igualdade e não pode haver igualdade em uma sociedade em que tenha alguém trabalhando para outra pessoa. Só se pode falar verdadeiramente em liberdade quando se há igualdade”.
A questão está em encontrar as vias para chegar lá, avalia o ex ministro. Mas de uma coisa tem certeza, “os ventos da democracia e da liberdade devem ser insuflados por nós sempre”.
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